sábado, 27 de setembro de 2008

OUTRA DE ÔNIBUS!!


Quando o ônibus parou na rodoviária de Ribeirão do Pinhal meus olhos estavam marejados. Eu estava mais uma vez a caminho de Umuarama e já sentia saudades de casa. Além disso acabara de ler "Adeus, China. O Último Bailarino de Mao", a maravilhosa autobiografia de Li Cunxim.
Mal percebi quando a moça se sentou ao meu lado. Na verdade, dormi minutos depois. Acordei em Cornélio Procópio com minha companheira de viagem perguntando onde estávamos. Só aí começamos a conversar. Ela mora em Londrina a pouco mais de um ano e estuda administração de empresas. E, assim como eu, estava voltando de uma visita à família. Disse que era a única solteira de três irmãs. Não tinha pressa de casar, embora a mãe pegasse no pé. Parecia querer mais netos.

- Por que não pede pra minhas irmãs providencarem? - ela perguntou.

- Talvez, mais do que netos, ela queira que você tenha filhos. - respondi.

- Pra que filhos? Eles só atrasam nossas vidas!

Por alguns minutos ficamos em silêncio. Tentei responder que é o ciclo da vida. Que não podemos fugir dessa regra da natureza. Os seres se reproduzem, e assim pode ser que se sintam menos sozinhos. Mas as palavras não vieram. Também me dei conta de que não é muito justo pensar em filhos apenas para aliviar a solidão. Que perpetuar nossa nossos genes não pode ser uma mera questão de sangue, mas de maturidade, de escolha. Ocorreu-me a frase de Machado de Assis: "Não tive filhos. Não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria!" Seria um orgulho bobo pensar em filhos como resultado de cromossomos que se somam. É preciso dar a eles mais do que sangue nosso, mas o aprendizado de que todos têm uma missão a cumprir. Afinal, crianças não vêm ao mundo para fazer companhia aos pais na jornada da vida. Vêm para trilharem seus próprios caminhos. Por fim... lembrei que também eu não queria filhos tão já.

- Mas você não pensa nem mais pra frente? - Perguntei.

Fiquei surpreso com o tom da minha voz. Era de desapontamento. Parecia até que, se ela mudasse de idéia, eu seria o pai do bebê. Por um momento quis rir de mim mesmo.

- Filhos nos amarram. Assim como marido e amigos. Quero ser livre! - ela disparou.

- E o que fará com sua liberdade? - A pergunta era pra mim mesmo. Mas pensei alto, e a voz me denunciou.

Pela primeira vez ela me olhou nos olhos. Era bonita, jovem, e tinha um ar decidido. Mas o silêncio disse que ela não sabia a resposta.

Talvez ela nunca tenha pensado que a liberdade não pode ter uma finalidade em si só. Que não basta dizer "sou livre". Certamente alguém perguntará: "livre para quê?". A liberdade pede um motivo, uma razão de ser. Mesmo que seja a de ser livre o bastante para se manter "preso" a algo, ou alguém. E isso tem sido mais comum do que a idéia de se prender à própria liberdade. Seja qual for a resposta, eu não a soube.

O assunto foi pra outro rumo: Profissão, estudos, apartamentos em Londrina... a trivialidade voltou a pautar a conversa. Mas a liberdade sem sentido ainda marteleva minha cabeça. Cheguei a cogitar a possibilidade de que talvez ela estivesse certa. Não quanto ao fato de se sentir amarrada a filhos ou a homens. Mas quanto ao desejo de liberdade antes de tudo. Talvez seja essa sua sina: A de buscar o sentido para a liberdade que quer. E como diria Lulu Santos, se amanhã não for nada disso caberá só a ela entender. Os ganhos e as perdas não dizem respeito a ninguém, mas só a ela.

O ônibus chegou em Londrina e ela desceu. Um "tchau" encerrou de vez a viagem. Só então me dei conta de que, durante pouco mais de uma hora de conversa, não nos apresentamos. Apenas trocamos histórias. Percebi que sabe-se mais do outro trocando histórias do que perguntando nomes. Afinal, nossas vidas não são os nomes que temos, mas as histórias que vivemos no decorrer da nossa existência.
Ela, por certo, estava vivendo a dela. Pegara a bagagem e, sem olhar pra trás, sumiu em meio às pessoas da rodoviária.

sábado, 13 de setembro de 2008

Algumas histórias de ônibus




- Senhor!! Senhor!! O senhor está sentado na minha poltrona, a número 1. Eu disse enquanto conferia o bilhete de passagem pra me certificar de que estava mesmo com a razão.

Ele não pareceu se importar. Olhou para mim com cara de "paisagem", ajeitou os óculos que estavam tortos e me disse bocejando:

- Tem um monte de poltronas vazias aí pro fundo! E voltou à sua posição de hibernação.

A minha paciência, que nem começara a ser testada, se esgotou. Olhei para aquela "pamonha humana" e falei sem pensar:

- Então o Senhor faz favor de levantar essa bunda gorda daí e escolher qualquer uma delas pra continuar roncando. Eu comprei o direito de ir nessa poltrona e é nela que eu vou.

O homem fez cara de quem não gostou. Mas no duelo de caras feias eu acabei levando a melhor. Ele se levantou, pegou as coisas dele e foi pro fundo do ônibus. Lá estava eu na "Poltrona Prometida" usurpada por um filisteu inóspito que fora vencido.


Um lampejo de remorso veio a mim quase que imediatamente. Será que eu não tinha exagerado? Não fui grosso demais com o pobre homem? Certamente eu não precisava ter falado daquela maneira. Mas eu já estava cansado de toda vez que entrava num ônibus ter que me sentar em outro lugar porque o meu já estava ocupado. Pior é que depois o dono do lugar sempre chega e faz aquela cara sem graça que te deixa como um cão sarnento sendo convidado a sair da porta do buteco. Não... eu estava decidido a ser chato e sistemático. Cada macaco no seu galho. E sentar-se no galho alheio pra mim passou a ser visto como uma tremenda falta de respeito.

Certa vez eu ia para Curitiba quando um bêbado sentou na poltrona atrás da minha. A língua parecia pesar 5 quilos dentro da boca e o aroma denunciava que atrás de mim estava a personificação de um alambique. Mas o meu calvário começou mesmo quando o sujeito começou a tacar o pé sobre a minha poltrona pra dormir o sono dos "manguaçados". Primeiro foi a pancada que levei na cabeça. Depois o chulé dos pés suados, que misturado com cheiro da pinga fazia o oxigênio parecer ácido. Deu trabalho convencer o fulano a dormir igual gente.

Outro dia, quando também ia pra Curitiba, o show ficou por conta de um menino de uns 4 anos de idade. De Jacarezinho até Jaguariaíva o menino só sabia gritar. Um grito agudo que fazia o choro da Raqueli parecer um mero timbre de contralto perto dele. Quando se cansava dos uivos, o guri apontava para o pasto e berrava a plenos pulmões:

- Óia o booooooooooooi, Manhê!!!

Com muito custo, em meio aos berros, consegui pegar no sono. Sonhei. E o que vi, ao contrário da realidade, fez com que eu acordasse rindo. Durante a viagem, quem estava dentro do ônibus era o boi. Pude vê-lo apontando pro pasto, desesperado, e mugindo algo que em bom português soaria como :

- Óia o meninoooooooooo, Manhê!!!!





Timidez!!!



A timidez (quando em excesso) é uma espécie de redoma que protege nosso ego.
Quem a vê de maneira superficial se engana. Acha que se trata de humildade.
Grave erro. O humilde busca o aperfeiçoamento consciente de sua fraqueza. O tímido, também consciente de sua fraqueza, espera que o aperfeiçoamento venha até ele.
Essa preocupação em não se expor, em mostrar-se vulnerável, passível de erros, é a maior prova de que o foco está unicamente em nós mesmos. É como se houvesse uma obrigação de ser perfeito, de negar as características que fazem com que sejamos humanos.
Erramos, passamos por constrangimentos, magoamos as pessoas, sofremos. Essa realidade é inerente à nossa condição. Mas o tímido parece negar tudo isso. É capaz de sacrificar suas vontades para não criar uma imagem demasiadamente “humana” perante as pessoas. É um egoísmo velado, um estágio para a auto-suficiência. É como se todo mundo estivesse de olho nele. Portanto que ele não erre, pois não tem esse direito. O tímido, na verdade, se acha. É uma espécie de covarde enrustido.
Eis aí uma coisa que luto para matar dentro de mim: O medo de errar. De ter que pedir perdão pelas falhas que seguem acontecendo independente dos meus temores e cuidados.
Cazuza cantava de maneira resignada que o tempo não pára. Os erros também não. Então, que o aprendizado seja outra constante em nossa vida. Que seja o erro transformado em bem maior para que possamos seguir o intempestivo cronômetro da vida humana.