quarta-feira, 13 de maio de 2009

Negritude...

Hoje as escolas se mobilizam para trazer ao conhecimento dos alunos uma data histórica. Comemora-se a abolição da escravatura. A princesa Isabel é apresentada como um exemplo de fraternidade ao assinar a Lei Áurea e por fim a um período terrível da nossa história: O da escravidão legalizada. Sinceramente nunca vi motivo pra comemorar a data. Historicamente todos sabem que os negros foram libertos porque não poderia ser diferente. Houve pressão de países como a Inglaterra e tudo o mais. Interesses econômicos, e não fraternos, fizeram com que assim fosse. Esses dias recebi um questionário de uma estudante de jornalismo que mora em Londrina. O Trabalho de Conclusão de Curso dela tinha como tema “O Negro no Jornalismo”. Talvez alguém se interesse pelo bate-papo virtual:


1) Conte-me um pouco sobre sua experiência profissional: ( coloque quando se formou, onde (universidade), idade (se possível) e onde trabalha hoje)

Meu nome é Fabiano Augusto de Oliveira Silva. Tenho 24 anos e sou natural de Jacarezinho-PR. Formado pela Faculdade do Norte Pioneiro – FANORPI, de Santo Antônio da Platina, em dezembro de 2006. Em abril de 2007 fui Trainne da Rede Paranaense de Televisão (RPC) em Curitiba. Depois fiz free-lance como repórter para a Editora IBPEX, também de Curitiba. Cobri férias por 3 meses na RPC/Londrina, e há 7 meses sou repórter da RPC em Umuarama.


2) Por que você se interessou pelo jornalismo ?

Sempre gostei muito de história. Mas também sempre gostei de vê-la acontecer no dia-a-dia. Acho que isso faz com que eu goste da definição do jornalista como “historiador do presente”. Gosto do gênero humano, de sua complexidade e da forma como se deixa influenciar pelas novidades do dia-a-dia.

3) Como o Jornalismo contribuiu em sua formação crítica sobre a realidade social do Brasil?

O jornalismo tem me ensinado a ler nas entrelinhas. A “ouvir” aquilo que não é dito, mas que os fatos evidenciam. Num primeiro momento ele me deu um idealismo muito grande quanto ao desejo de justiça, de fiscalizar o poder público para o bem da sociedade. Depois me deixou um tanto descrente, ao perceber que, muitas vezes, a mídia é parte da trama que faz com que as coisas estejam como estão. Finalmente, num terceiro momento, concluí que sem idealismo a profissão de jornalista perderia sua razão de ser.


4) Você teve alguma dificuldade para concluir seus estudos? Qual?

Ah sim!! Até parece clichê, mas houve a dificuldade financeira. Filho de vendedora de loja, doméstica, e desempregado na época em que comecei a fazer a faculdade, o que fiz foi uma aposta com o destino. Consegui terminar a faculdade. Mas o desafio ainda continua.

5) Você já sofreu algum tipo de preconceito, antes ou depois se tornar jornalista? Qual?

Sim. Muitas formas de preconceito ao longo da vida. Curiosamente, na faculdade, eu não dei de cara com o preconceito. Ele era sutil. Não me olhava nos olhos. Eu o percebia na forma como as pessoas se dirigiam a mim, às vezes, quando precisavam discutir a realidade brasileira. Não sabiam como abordar o assunto negritude perto de mim, o único negro da turma. Tinham medo da minha reação. Depois da faculdade, como jornalista, também não vi o preconceito como costumava ver. Às vezes o percebia no receio das pessoas, no olhar desacreditado no fato de você se apresentar como jornalista. Mas eram muito sutis.


6) Você acredita que a cor pode influenciar na posição social do individuo?

Certamente. Em Curitiba, por exemplo, são comuns anúncios que especificam que as candidatas para recepcionistas ou secretárias sejam loiras. Há um estereotipo definido. E o negro, para obter uma posição igual ao do branco, deve possuir uma capacidade muito maior intelectualmente ou comunicativa, pois no quesito cor de pele ele é visto como fora do padrão.


7) Qual a sua opinião sobre a presença do negro na mídia? tanto em participação, quanto na forma como veicula a imagem dele?

Houve uma melhora. Uma melhora longe de ser a ideal, mas houve. Alguns veículos de comunicação parecem acordar aos poucos. Sobretudo no que diz respeito à identidade do Brasil. É possível encontrar jornalistas negros em grandes veículos de comunicação. Atores em papéis que não se resumem aos estereótipos de padre, policial ou doméstica. Mas ainda falta muito. A proporção de negros no Brasil em relação aos negros atuando na mídia ainda não traduz a multiplicidade racial brasileira.

8) Na sua opinião o que justifica a ausência do negro (jornalista) na mídia?

A falta de oportunidades em todos os sentidos. Poderíamos enumerar a educação, a situação financeira do afro-brasileiro, e o próprio preconceito. Não há um fator predominante, uma vez que estão todos ligados um ao outro. Por exemplo, o negro não pode estudar por que é pobre. No meu primeiro ano de faculdade, havia uma negra na sala. Ela precisou sair da faculdade para trabalhar de doméstica no Estado de São Paulo. A falta de referências aos negros também influencia. Alguns possuem uma auto-estima muito baixa. Mas isso não é problema apenas dos negros. E sim das pessoas menos favorecidas, de modo geral.


9) Para você como funciona o preconceito Brasileiro?

No caso do preconceito contra o negro, ele se esconde por trás do mito da Democracia Racial. De um modo geral, ninguém nega a importância do negro na sociedade brasileira. Mas parece haver um consenso de que algumas coisas não são coisas que um negro deva ou possa fazer. É estranho. Nos Estados Unidos, por exemplo, há um racismo evidenciado e declarado. Mas ainda assim parece ser o melhor lugar para um negro viver. O inimigo (o preconceito, no caso) é visível. No Brasil não. Talvez por isso seja comum ver negros passivos, conformados. O medo de lutar colabora para a existência do mito.


10) O que, na sua opinião, pode ser feito para mudar esta realidade?

Tudo começa com uma auto-afirmação. Um amor por si mesmo que, consequentemente, faz com que a luta pela igualdade de condições apareça. Aqui não incluo só o negro. Até porque não podemos pensar que resolver o problema do negro equivale solucionar o problema do Brasil. Incluo os pobres, os idosos, os homossexuais, os indígenas, etc. Sem o conhecimento de si mesmo, de sua história e de seus direitos, nada pode ser feito. Sei que parece um tanto romântico e utópico isso. Mas perceba que onde as coisas são um pouco melhores que aqui, é exatamente isso que acontece.

11) Você acredita que o preconceito pode um dia tornar-se algo do passado?

Acredito que podemos mudar o conceito. O conceito de que o negro é inferior, incapaz. É só o negro parar de se ver assim. Agora, de um modo geral, vejo o preconceito como uma característica do ser humano. A mania de antecipar um perfil daquilo que ainda não conhecemos – que é minha definição de “preconceito” - não acabará jamais.

12) Como você vê a questão de cor (raça) ser uma questão de classificação em vestibulares, por exemplo?

Acho que é dizer sim ao preconceito. É como se o negro não fosse capaz e por isso lhe reservassem uma vaga no banco universitário. Há uma deficiência, sim. Mas ela não é do negro, ela se reflete nele. A deficiência é do sistema. As vagas são reservadas, os negros entram nas faculdades, e o sistema continua deficiente. Em minha opinião é legalizar um racismo às avessas. Uma espécie de hipocrisia histórica.

13) Qual a relevância de estudar a presença do negro nos diversos segmentos da sociedade atual, incluindo a presença do negro no jornalismo?

Antes de tudo o conhecimento. Fica mais difícil fazer de conta que determinada realidade não existe, na medida em que seu conhecimento é disseminado. Depois o conhecimento se torna subsídio para as cobranças. Para a “atividade”. Quanto à presença do negro no jornalismo, isso é excepcional. Pois trata-se de um modo diferente de abordar os fatos sociais. Um modo de perceber o preconceito que muitos desconhecem, simplesmente por não serem negros e não o terem sentido.

4 comentários:

tarciso disse...

Infelizmente, Fabiano, constatamos que praticamente todo ser humano é vítima do preconceito, especialmente quem age movido por ele e que é de todos o mais digno de comiseração por medir aos demais segundo o que têm de diferentes dele próprio. Dá pena de gente assim pelo prejuízo que se causam e a todos os demais. Quanto às vítimas do racismo não pode haver dúvidas que sejam as que em maior número e na maior extensão do tempo sofreram e sofrem os mais perversos efeitos dessa praga do convívio humano...

Paula Manjabosco disse...

Concordo com o comentário acima. E aproveito pra dar os parabéns pela trajetória, repórter.Bjo.

Aline B disse...

Racismo é a cegueira dos que se acham mais que os outros. Parabéns, Fabiano. Adorei a postagem.

Carolina Dias disse...

Para você como funciona o preconceito Brasileiro?

"No caso do preconceito contra o negro, ele se esconde por trás do mito da Democracia Racial. De um modo geral, ninguém nega a importância do negro na sociedade... "
Concordo com vc Fabiano o racismo no Brasil fica atras de uma falsa democracia e com certeza os desafios para ser um jornalista negro são grande.
Mas como brasileira ,fisioterapauta e negra posso afirmar que o desafio está somente em ser negro seja em qualquer profissão ,pois temos que primeiramente que provarmos que nao somos ruins e depois que somos bons no que fazemos.
E quanto a falsa democracia quem é preconceituoso omite com medo de sofrer preconceito de quem não e que possa escandalizá-lo,por que mesmo sendo preconceituoso ele não quer ser vitima de um preconceito.tambem tem medo da exclusão social.

MAs o importante é sabermos que existe apenas uma raça ,a humana...a única diferença é que se subdivide em racionais (os a favor da democracia e sem pré conceitos) e os irracionai( os que insistem em delimitar o outro pela etnia,custumes ou classe social).

Mas no fundo até eu tenho um preconceito enoooorme ...contra os preconceituosos!