sábado, 16 de fevereiro de 2008

O SÓCRATES DO PRESENTE



Um texto de Alexandre Raposo sobre a primeira matéria de um “foca” me fez repensar algo interessante: O jornalista é um socrático.
Digo isso, e sinto a necessidade de ir mais fundo na afirmação: se o jornalista não for socrático, ele precisa se tornar um.
Todos já ouvimos falar de Sócrates. O precursor da filosofia clássica. Aquele que acreditava ser um “parteiro” da verdade na medida em que ajudava os atenienses a colocarem para fora o conhecimento germinado em si. Aquele que interrogava as pessoas a fim de que encontrassem, por seu próprio bom senso, a verdade do que diziam crer e viver. É precisamente nessa característica que vejo a sinonímia entre Sócrates e o jornalista. Sua profissão é baseada na busca pela verdade dos fatos, aguçando (e não manipulando) o senso crítico da sociedade. E podemos perceber essa relação até no fato de que o homem não dispõe de todo o tempo pra refletir calmamente sobre os seus “por quês”, de modo que muitos passam a vida sem conseguir responder seu “lead” pessoal. O jornalista também tem disso em sua profissão. Buscar a verdade dos fatos, apurar informações, entrevistar pessoas, redigir o texto, correr para a redação, editar a matéria. Tudo isso implica numa corrida contra o tempo. O texto de Alexandre Raposo até cita o fato de a pauta dificultar a tarefa do jornalista (foca ou não) a não lhe fornecer todos os dados sobre a matéria a ser feita. O escritor alega que não haveria tempo suficiente para fazer um esqueleto completo da matéria. E é aí que entra o papel socrático do jornalista. É ele quem precisa fecundar o próprio pensamento em prol da sociedade, a fim de que ela possa parir a verdade, a notícia. Pode-se traduzir essa metáfora de fecundação, formação, e nascimento por preparação, apuração e redação. Mas tudo isso correndo contra o tempo.
Isso porque a escassez de tempo não quer dizer que a preparação da matéria a ser feita seja desnecessária. Pelo contrário, a capacidade de distinguir entre supérfluo e essencial se faz indispensável por que a matéria precisa ser entregue até o fim do expediente. Entra em cena a seleção de entrevistados, dos lugares visitados, etc. E essas decisões, quase que imediatas, não podem amputar nenhuma parte da matéria, e para isso, o jornalista tem de ser realmente um cirurgião, um parteiro.
É interessante o ponto de partida que o escritor (e o padrão jornalístico de entrevistas, de um modo geral) adota como base para uma boa matéria: a dúvida. O jornalista tem que sair para apuração com essa regra de Descartes em mente: Duvide de tudo. Da pauta, das fontes, da própria memória, etc.
E há uma explicação para que seja assim: os “filhos da pauta” correm o risco de perder a intuição se ficaram presos a ela. Além disso, tentar entender a pauta por si só é perigoso. Melhor seria falar com o editor. Usar a pauta do editor como referência para “sua” própria pauta.
Do mesmo modo, as fontes são referências rumo àquilo que se quer obter da pauta. O fato das fontes estarem disponíveis a dar entrevista não significa que elas estão dispostas a contar toda a verdade sobre os assuntos pertinentes à matéria. Daí a necessidade de entrevistar mais de uma fonte e ver cada entrevista como uma peça de quebra-cabeça.
E aí falamos da memória. Ela não reproduz na íntegra o que foi dito, ouvido, visto. A memória, em si, é uma edição de fatos vividos, cujo editor é o subconsciente. Confiar nela é perigoso. Então, anotemos tudo. Registremos o máximo possível de informações. Seja através de filmagens, de fotografias, de gravações, etc.
Depois de coletadas as informações, chega finalmente o momento de formar o corpo da matéria para o seu “nascimento”. Ordenar os dados obtidos, montá-los de forma concisa e coerente. Tudo isso é pensar de maneira filosófica diante das normas técnicas que devem ser atendidas para melhor compreensão do público alvo. É um processo trabalhoso. Mais do que isso, é um trabalho para o bem social e não individual. Por isso o paralelo com a filosofia socrática. A parteira não trabalha para o nascimento de seu filho, mas para o nascimento dos filhos de outras. Por isso creio que, se a primeira matéria é inesquecível, pode se tornar ainda mais na medida em que se compreende que ser jornalista é uma maneira de ser “filósofo do cotidiano”.

4 comentários:

Laboratório disse...

Fala preto! Curti seu texto! Me fez pensar q, de repente, há 8 anos atras, eu deveria ter feito o vestiba pra Jornalismo! rsrsrs... Pretendo aparecer mais por aqui! abração!

tarciso disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
tarciso disse...

Fabiano, tá aí uma boa argumentação sobre o valor do pensamento socrático aplicado ao jornalismo, mas, como para além dos fatos existem múltiplas versões que fazem parte do mundo das idéias, cabe também um tanto da perspectiva platônica para classicamente enriquecer um bom jornalismo!

Gi Olliotti disse...

Oiii amigo!
Li e reli seu ultimo texto e só agora consegui parar pra comentar.
Confesso que fiquei com medo de ser jornalista...rs...e depois de tanta informação me perguntei: será que eu sou mesmo capaz? Ao ler eu imaginava a correria que vc nos descreveu e deu um frio na barriga. Gente! Que função! Mas me atrai. Uma amiga me disse um dia: Deus abençoa o jovem que tem coragem de tentar. E é isso! Vou arriscar.
Parabéns mais uma vez pelas palavras! Você é ótimo e sabe mesmo lidar com elas.
Bjao