quinta-feira, 20 de março de 2008

Misericórdia

Certa vez ouvi de um pregador: “A justiça de Deus se chama Misericórdia”. Nunca me esqueceria disso. De fato, o que seria de nós sem esse presente do Senhor? Sobre isso o Papa João Paulo II disse em certa ocasião: “devemos à misericórdia de Deus se ainda não estamos mortos”. Felizmente, a justiça Divina não segue os padrões da justiça humana. A justiça Divina é pautada pelo amor. A justiça humana, às vezes, se confunde com a vingança. Elas partem de pressupostos diferentes. A palavra “justiça”, dentre seus muitos sentidos, é a “virtude de dar a cada um aquilo que é seu”. É interessante frisar que o homem, de um modo geral, dá a cada um o que é seu baseado no que recebe em troca, de modo que a justiça nem sempre seja uma virtude. Acrescenta-se que esse conceito de justiça fez parte da filosofia agostiniana, e nos faz lembrar que nenhum homem merece a salvação, visto o estado de pecado no qual ele já nasce. Mas Deus, por Sua vez, usa dessa definição de justiça dando “a cada um o que é seu” de forma gratuita. Temos, então, a Misericórdia, que significa “compadecer-se da miséria alheia”. Trata-se da capacidade do indivíduo de se colocar no lugar do outro em determinada situação de sofrimento. Por tanto, é um fruto imediato do amor. E ninguém foi tão misericordioso quanto o próprio Cristo. O Filho de Deus quis se colocar em nosso lugar para que não tivéssemos de padecer por nossas faltas. E Ele não só se “compadeceu” de nossa miséria, mas padeceu sozinho, nos remindo do pecado. (Cf. Is 53,4)
Não se trata, entretanto, de um mero sacrifício. Os sacrifícios ofertados pelos israelitas no Antigo Testamento tinham por única finalidade justificar o seu “eu” perante Deus. Não era um ato gratuito. E quando o ato não é motivado pelo amor, pode nos levar à auto-suficiência e à ilusão de que a Graça de Deus parte, unicamente, da nossa disposição em nos sacrificar. O homem estaria pagando a Deus por suas faltas e, em certos momentos, era como se Deus passasse a lhe dever algo em vista do sacrifício oferecido. O homem estaria fazendo justiça (segundo o conceito humano), e isso atrairia a Graça. Foram para situações como essas que o Senhor disse: “Eu quero a misericórdia, e não o sacrifício” (cf. Os. 6,6). A misericórdia é o cerne da prática Cristã por ser atitude de quem ama e ser direcionada, necessariamente, ao outro. Era de cristãos misericordiosos que Tertuliano (+122) falava quando expressou a famosa frase “Vede como se amam”. Esses cristãos sabiam que, uma vez alvos da misericórdia de Deus, também eram chamados a exercer a misericórdia aos outros. “De graça recebestes, de graça deveis dar.” (Mat. 10,8); “Bem aventurados os misericordiosos, por que alcançarão misericórdia” (Mat. 5,7).
Nota-se a Misericórdia, também, na capacidade do Senhor de transformar o mal em bem. Em seu livro “Memória e Identidade”, o papa João Paulo II relembra suas reflexões durante a Segunda Guerra Mundial e o Comunismo: “Mais tarde, já com a guerra terminada, eu pensava comigo (...) deve haver um sentido em tudo isso (...) eu pensava isso sim. Que de alguma forma aquele mal deveria ser útil ao mundo e ao homem. De fato acontece, em certas ocasiões, que o mal se revele útil enquanto cria situações para o bem. Porventura Johann Wolfgang von Goethe não definia o diabo como ‘uma parte daquela força que quer sempre o mal, e faz sempre o bem?’”, pensava o jovem Wojtyla. Surge aí uma das suas impressionantes conclusões: a Misericórdia Divina impõe um limite ao mal. Ora, como não desejá-la? Como negar essa conseqüência inerente a um Deus que é Amor?
Uma outra análise feita por João Paulo II no “Memória e Identidade” fala das revelações da Irmã Faustina Kowalska à respeito da Divina Misericórdia. Essas revelações surgiram no momento em que explodia a Segunda Guerra Mundial. Era o aviso de que a Misericórdia de Deus não estava alheia àquele triste momento pelo qual passava a humanidade. Seus braços estavam abertos aos que O quisesse. De fato, a Polônia e alguns países da Europa precisavam dessa certeza. Sobretudo os homens, de uma forma mais subjetiva, necessitam dessa certeza: A certeza do Bem Maior diante do mal. Para tanto, é preciso se reconhecer pecador e limitado enquanto homem, não ocultar nossas feridas. Como pensava Santo Agostinho, O Senhor “é Misericordioso, e eu miserável”. É a nossa humanidade que nos aproxima do Divino. A Sua Misericórdia nos resgatou das cadeias do maligno. A Deus basta que nos deixemos amar. A nós, basta-nos a Sua Graça.

3 comentários:

tarciso disse...

Fabiano. Admirável a tua escrita, quer quando o teu olhar mira ao redor, quer quando fitas o infinito. Evangelizas e revelas predicados maduros em tua preciosa juventude! Feliz Páscoa!

Ana Beatriz Frusca disse...

Feliz páscoa!
Beijos.

Ana Beatriz Frusca disse...

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